Por que é que vou participar (ou não) no protesto da “geração à rasca”?
O protesto "apartidário, laico e pacífico" da "geração à rasca" - marcado para 12 de Março em 10 cidades do país (Braga, C. Branco, Coimbra, Faro, Guimarães, Leiria, Lisboa, P. Delgada, Porto e Viseu) - pretende juntar pessoas que vivem em situações laborais e sociais precárias ou que estão descontentes com a actual situação política e económica do país. São os jovens que compõem a "geração sem remuneração" de que fala a música “Parva Que Sou”, dos Deolinda, adoptada por vários protagonistas e apelidada de "hino geracional". O PÚBLICO convida os leitores que pretendem participar na manifestação de sábado a explicarem os motivos do seu protesto. Os leitores que estão contra a manifestação podem igualmente enviar a sua opinião. Os textos devem ser enviados para o email leitores@publico.pt com o nome, idade, residência e profissão do seu autor. O PÚBLICO reserva-se o direito de editar e seleccionar os contributos enviados.
Nome: Pedro Loureiro
Idade: 34 anos
Residência: Coimbra
Profissão: Gestor
Porque é que eu vou à manifestação?
Confesso que as minhas motivações para ir à manifestação têm como pano de fundo uma questão geracional, que se revela no quotidiano ao nível social, económico e político. Vou manifestar-me pelos seguintes motivos:
1) Falta de solidariedade intergeracional
Num primeiro nível geracional, menciono uma classe de pseudo yuppies, que assumiu o comando de instituições e empresas, baseando a sua actuação no individualismo, no culto da personalidade, contaminando-as com políticas de exigência oca e de sobreposição do orgulho pessoal ao objectivo comum. Promovem a segregação hierárquica e são os verdadeiros promotores do recibo verde, que serve de seguro na protecção à concorrência de gerações vindouras, naturalmente mais actualizadas e preparadas, e em condições de vingar no mercado de trabalho, tal como esta geração vingou nas décadas de 80 e 90.
Por outro lado, há invariavelmente - no Estado, nas empresas, etc. - um gap remuneratório que se pode apelidar de Pré-2000 e Pós-2000: todos os que atingiram um determinado patamar antes do início desta década, ganham em média 30, 40, 50%, ou até mais, do que uma pessoa em igual posição e categoria que tenha entrado depois disso. Não tem a ver com capacidade ou qualificações, mas sim com os eternos "direitos adquiridos".
Aqui, entramos num 2º patamar geracional: dos direitos adquiridos no pós-25 de Abril, que garantem postos e estatutos inabaláveis, que permitem que haja reformados actualmente com 55/60 anos (reformaram-se aos 45/50) a receber 4, 5, 6.000 euros, mas com um histórico de descontos que não dão nem para cinco anos de reforma nesses níveis remunatórios. Em contrapartida, aqueles que hoje suportam, com descontos para a Segurança Social, estas reformas principescas, terão na melhor das hipóteses 50% do vencimento médio de todo o histórico de vencimentos.
O princípio de solidariedade tem limites e o conceito de direitos adquiridos é criminoso - corrói a sociedade e aniquila qualquer vontade de correr riscos ou empreender. Perante este cenário, não admira que ambição profissional de um jovem seja o de ser funcionário público com horário 9-17h e 3000 euros líquidos ao fim do mês. Aquilo que os pais conseguiram.
Não reclamo a solidariedadezinha, esmolas ou paternalismo com as gerações mais novas. Quero apenas igualdade e estabilidade nos "direitos adquiridos". A este ritmo, os nossos filhos vão fazer parte da "geração 100 euros".
Um país não pode viver a várias velocidades.
2) Um corte com o status quo
O empreendedorismo em Portugal é uma ciência desenvolvida por génios da função pública – quadros e professores - cuja experiência de gestão se resume ao condomínio do prédio onde habitam. A AICEP [Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal], o IAPMEI [Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação] e afins são “gamelas” para toda uma série de afilhados e apaniguados, que desde cedo aprenderam a mexer cordelinhos para se instalarem num tacho para-político.
Nos organismos estatais de apoio ao desenvolvimento empresarial, a burocracia é a palavra de ordem. Qualquer candidatura ao QREN tem procedimentos próprios de um país subdesenvolvido, envolvendo qualquer promotor numa camisa-de-forças, que é oposta à agilidade que o mercado global exige hoje a uma empresa.
O tecido económico - que em qualquer país desenvolvido se quer forte e povoado por empresas de pequena e média dimensão - é hoje povoado por empresários que dependem essencialmente do Estado. Nestas empresas, a curva de aprendizagem é plana e não se passa conhecimento, porque este não existe - as empresas vivem à custa das relações estabelecidas entre o empresário e a classe política (local, regional e/ou nacional), numa teia de conhecimentos e relações que não é transferível. As empresas não perduram, os quadros não se formam, não há uma lógica de gestão de longo prazo, da empresa como entidade autónoma da figura do empreendedor. E não se aceita espírito crítico: ou está connosco, ou está contra nós.
Esta é uma questão fundamental: num sistema capitalista, a existência de um Estado-providência dependerá sempre da existência de um tecido económico que produza (dando emprego), exporte (reduzindo o défice comercial e a dívida externa) e pague impostos (contribuindo para a redução do défice).
3) Mudança de paradigma na classe política
Esta manif servirá também para que a classe política perceba que tem que mudar a forma e o estilo de fazer política em Portugal - acabar com a pirâmide de poder, articulada nas secções regionais dos partidos que minam de baixo para cima todas as estrutura de poder: local, regional e nacional.
Se a manif tiver dimensão e não houver um cabecilha-de-movimento que possa ser identificado (para ser aniquilado na comunicação social), talvez comecem a ganhar mais respeito pelo povo. É aliás, a única hipótese de se conseguir isto.
Assim como nos metem medo diariamente – através do tenebroso cenário que nos é lançado todos os dias pelos media - também o povo tem que meter medo à classe política.
Esta manif tem ainda uma peculiaridade: há um tronco comum de razões - contra o Governo, o desemprego e a precariedade dos recibos verdes - mas depois cada um tem as suas razões próprias para se manifestar. É uma manifestação customizada, o que é em si mesmo uma novidade.
Por isso é que o establishment começa a ficar incomodado: não sabem se é um flop ou uma vaga de fundo."
Este é o meu contributo para esta causa que tanto perturba novos e manos novos, nomeadamente os que em 1974 colaboraram para que o povo português viesse a ter uma melhor forma de estar na vida.
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